A indústria de cimento e o meio ambiente
ENTREVISTA: PHILIPPE FONTA
O engenheiro franco-belga Philippe Fonta tem longa experiência e aprofundado conhecimento quando o assunto é desenvolvimento sustentável. Diretor-executivo desde 2006 do Conselho Mundial Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável/Iniciativa para a Sustentabilidade do Cimento (WBCSD/CSI) e, desde 2012, diretor de Eficiência em Energia em Edificações (EEB), outro grande projeto do WBCSD, ele esteve no Brasil, mais precisamente em São Paulo, para ministrar palestra na sexta edição do Congresso Brasileiro de Cimento, evento promovido neste mês de maio pela Associação Brasileira do Cimento (ABCP) e pelo Sindicato Nacional da Indústria de Cimento (Snic).
O tema foi, claro, a sustentabilidade na indústria de cimento, no mundo, na América Latina e no Brasil. A CSI conta atualmente com a participação de 24 players globais da indústria cimenteira, entre eles, algumas das principais companhias brasileiras. Na ocasião, concedeu esta entrevista à PRISMA, na qual teceu elogios às ações desenvolvidas pela indústria brasileira de cimento, que ocupa lugar de destaque no cenário internacional no quesito sustentabilidade. Mas Fonta foi claro: “É possível avançar mais no Brasil”.
Como surgiu e o que são o WBCSD e a CSI e quais são os seus objetivos?
O WBCSD surgiu em 1992, na esteira da Rio+20, criado inicialmente pelo empresário e filantropo suíço Stephan Schmidheiny, que acreditava que o mundo empresarial tem o papel fundamental de contribuir para o desenvolvimento sustentável. O WBCSD, então, tinha o objetivo inicial de dar voz a esse fórum empresarial no evento da ONU sobre o meio ambiente que ocorreu no Rio de Janeiro. Sua meta fundamental é a de galvanizar os principais líderes empresariais globais para auxiliar na criação de um futuro sustentável para os negócios, à sociedade e ao meio ambiente. Como cerca de 40% das emissões globais de CO2 vêm das atividades ligadas à construção e, nessa cadeia, a indústria de cimento é responsável por cerca de 5% das emissões, decidiu-se criar a CSI em 2002, a fim de ajudar a indústria mundial desse setor a aumentar seus índices de sustentabilidade. Hoje, integram a CSI 24 grupos globais da indústria de cimento, que operam em mais de cem países e são responsáveis por cerca de 30% da produção mundial de cimento. Os maiores grupos brasileiros fabricantes de cimento participam dessa iniciativa.Hoje, empresas de países como Índia e China estão presentes na CSI.
Quais são os instrumentos utilizados pela CSI para atingir seus objetivos?
A CSI sempre defendeu que a abordagem setorial para a mitigação das alterações climáticas pode efetivamente melhorar a resposta em grande escala para a mudança climática. Em 2009, publicamos os resultados de um exercício de modelagem, no qual demonstramos o potencial para grandes reduções de emissões de gases de efeito-estufa na indústria de cimento em todo o mundo através da adoção de uma abordagem política setorial. A CSI considera os mecanismos de mercado setoriais como a ferramenta mais eficaz e eficiente, como eles podem ser construídos com base nas prioridades nacionais e, assim, alavancar os esforços de redução de emissões existentes, enquanto os esforços de redução de emissões podem ser compensados com créditos negociáveis. Embora, em última análise um acordo climático global precisa ser colocado em prática, a CSI reconhece que as atividades de redução de emissões em larga escala podem começar em nível regional e /ou em cada país. Para ter sucesso, os mecanismos de mercado setoriais devem basear-se em uma medida consistente, o sistema (MRV) de relatórios e verificação para que seja possível a conexão posterior ao mercado global. As normas MRV devem ser harmonizadas em nível mundial ou, pelo menos, ser compatíveis e comparáveis, pois padrões divergentes levariam a preocupações sobre a qualidade ambiental dos créditos, A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) tem papel importante a desempenhar no desenvolvimento deste sistema MRV em escala mundial.
Mas o que são esses mecanismos de mercado setoriais?
Um mecanismo de mercado setorial consiste na redução de emissões de acordo com metas estabelecidas em conjunto por governos e empresas para setores da indústria. Ela é aplicada em nível regional ou nacional e inclui metas de redução de emissões setoriais, recompensadas por créditos negociáveis, desde que as emissões sejam reduzidas abaixo dos marcos de referência. Para implementar um mecanismo de mercado setorial, é necessário um banco de dados para coletar informações precisas e verificáveis sobre CO2 e o desempenho energético das instalações industriais a nível setorial. Nesta base, as métricas de desempenho setoriais podem ser desenvolvidas e expressas como objetivo de melhoria. Enquanto as métricas de desempenho devem, idealmente, ser as mesmas em nível mundial, os valores atribuídos a melhorias de desempenho pode ser definida a nível nacional / regional, de acordo com as capacidades técnicas e econômicas de um país ou região. A CSI está disposta e capaz de trabalhar com os governos para a elaboração de aspectos práticos de um sistema de participação do setor adequado e compromissos de carbono apropriados. Ela desenvolveu uma série de ferramentas que podem apoiar a ação: Uma metodologia comum MRV (“O CO2 Cimento e Protocolo de Energia”), utilizado hoje pela maioria da indústria cimenteira mundial; um banco de dados global sobre CO 2 e de desempenho energético para o setor ( “Getting the Numbers Right” ), para permitir a análise e avaliação comparativa de desempenho da indústria. Ela representa melhores dados do mundo disponíveis para qualquer setor, com cerca de 80% dos dados verificados de forma independente; e um roteiro de tecnologia mundial para o setor de cimento até 2050, avaliando a viabilidade técnica das várias alavancas de redução de emissões na produção de cimento. Este trabalho foi desenvolvido em conjunto com a Agência Internacional de Energia (AIE) e atualmente está sendo replicado na Índia
Isto quer dizer que um aspecto fundamental do trabalho da CSI é medir as emissões de carbono e o uso de tecnologias sustentáveis na indústria?
Sem dúvida. Nossa atividade é baseada nas informações que nos são passadas pelas indústrias de cimento associadas de todas as partes do mundo e, a partir delas, emitir os relatórios. Os principais itens monitorados são o consumo de água, de energia e matérias-primas e a quantidade de emissões. As informações são sigilosas e só são conhecidas pela empresa e o relatório é gerenciado por uma entidade independente. Eu mesmo não tenho acesso a elas individualmente. Com o relatório, podemos identificar quem está bem e quem não está. As empresas podem verificar pelos nossos relatórios como estão situadas em relação às demais e, a partir daí e caso necessário, adotar medidas para melhorar sua situação em termos de sustentabilidade. Temos clareza que outra questão importante é a de que as ações que desenvolvemos devem estar alinhadas em relação às prioridades nacionais. Para trabalhar melhor, é preciso medir a fim de fornecer números objetivos às empresas. Com as ações de mitigação dos impactos ambientais, as companhias podem obter créditos de carbono. Nosso banco de dados foi estabelecido em 2006 e, com ele, podemos demonstrar as emissões, ano a ano, em nível mundial e regional. Temos um resumo desses relatórios no nosso website (http://www.wbcsdcement.org), disponíveis para download.
E como estão as indústrias brasileiras de cimento em relação ao geral?
Hoje, podemos dizer que as indústrias da América Latina, Brasil incluído, claro, estão muito alinhadas com as suas congêneres da Europa e dos Estados Unidos. A indústria brasileira utiliza muita biomassa e o coprocessamento de resíduos em seus processos produtivos. Estudos internacionais mostram que aproximadamente 5% das emissões de CO2 de origem antrópica no mundo provêm da produção de cimento [no Brasil, esse percentual é de 1,4%, segundo o último Inventário Nacional de Gases de Efeito Estufa, divulgado em 2010].
Mas há espaço para melhorar esse desempenho ambiental das indústrias brasileiras, não?
Sim. As indústrias brasileiras de cimento utilizam muita biomassa, cerca de 12% de sua matriz energética vêm da queima de carvão vegetal e, secundariamente, de resíduos da agricultura, como a palha de arroz. Além disso, os fabricantes de cimento brasileiros fazem a queima de resíduos por coprocessamento, representando cerca de 8% de sua matriz energética. Mas o grande espaço para aumentar essa ação ambientalmente positiva seria na utilização do lixo urbano e rejeitos de esgoto, que na Europa respondem por 70% do coprocessamento de energia. No Brasil, esse percentual é zero.
Se pensarmos que, das 63 milhões de toneladas de lixo produzidas no Brasil por ano, das quais 30% têm potencial de reciclagem, mas apenas 3% são reciclados, podemos medir o quanto poderia ser reaproveitado aqui, não?
Sim. Mas, para isso ser adotado na indústria de cimento no Brasil, seria necessário haver acordo com os municípios e, no caso do lixo, a adoção de coleta seletiva em larga escala. Este seria um passo muito importante para diminuir ainda mais as emissões da indústria de cimento brasileira, tornando-a mais ecoeficiente do que já é.
Qual a sua visão em relação ao futuro, na questão ambiental e da indústria?
Acredito que, se quisermos agir para evitar as mudanças climáticas, que já estão acontecendo e de forma drástica, precisamos implementar um plano de trabalho para que cada companhia faça mais para mitigar os impactos ambientais e que mais indústrias passem a integrar esse time que busca fazer mais para reduzir os efeitos negativos no clima. Mas creio que isso – a participação das indústrias – já está acontecendo. Precisamos trabalhar para que aconteça cada vez mais rápido e em maior escala, se quisermos ter um planeta melhor para as futuras gerações.
Reportagem: Silvério Rocha / Revista Prisma ed. 52 – 20/8/2014
Fonte: http://www.portalprisma.com.br/novosite/noticia.asp?cod=6982