Roadmap Tecnológico do Cimento pretende reduzir emissões de CO2
ENTREVISTA COM PAULO CAMILLO PENNA, PRESIDENTE-EXECUTIVO DO SINDICATO NACIONAL DA INDÚSTRIA DO CIMENTO (SNIC) E DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CIMENTO PORTLAND (ABCP)
Fonte: Portal AEC Web | BR – 10/03/2020
A indústria nacional do cimento, que apresenta um dos menores índices mundiais de emissão de CO2 do setor, aprofunda medidas para reduzir sua pegada de carbono. O estudo Roadmap Tecnológico do Cimento, preparado pelo SNIC e ABCP em conjunto com entidades brasileiras e internacionais, coordenado pelo professor José Goldemberg, traça os caminhos. Nesta entrevista ao Portal AECweb, o presidente da ABCP, Paulo Camillo Penna, fala sobre este e outros assuntos, como o impacto que a recessão econômica do país causou às cimenteiras e as expectativas positivas do setor para 2020.
AECweb – O que é o estudo Roadmap Tecnológico do Cimento?
Paulo Camillo Penna – Este estudo mapeia a situação atual e as tendências futuras da indústria brasileira do cimento. Se suas trajetórias de crescimento e grau de desenvolvimento tecnológico continuassem sem intervenção, em um cenário de referência climático (aumento de 6°C), as emissões absolutas decorrentes da produção de cimento no Brasil atingiriam cerca de 66 Mt (milhões de toneladas) de CO2 em 2050, um aumento de 64% em relação aos níveis de 2014 (40 Mt CO2). A partir desse cenário, o Roadmap propõe diferentes alternativas técnicas capazes de reduzir essas emissões a patamares condizentes com o de menor impacto climático, limitando o aumento da temperatura global em até 2°C em longo prazo.
AECweb – Qual a matriz energética empregada para a produção de cimento no país?
Paulo Camillo – Em 2014, ano de referência do Roadmap, a matriz energética da indústria brasileira de cimento era composta de 85% de coque de petróleo e 15% de combustíveis alternativos. A participação de combustíveis fósseis não renováveis na produção de cimento deverá decrescer de 85% para 45% no “Cenário 2°C”, em função do uso crescente de resíduos e biomassas. O aumento no uso de combustíveis alternativos reduziria cerca de 55 Mt de CO2, ou 13% da mitigação cumulativa de emissões de CO2 até 2050 no “Cenário 2°C”, em comparação com o “Cenário 6°C”.
AECweb – Qual a quantidade de gás carbônico emitida, hoje, por tonelada de cimento produzido?
Paulo Camillo – Em 1990, as emissões específicas do cimento eram 700 kg CO2/t cimento. Devido aos investimentos e esforços da indústria brasileira de cimento, em 2014 (ano base de referência do Roadmap) as emissões foram reduzidas para 564 kg CO2/t cimento, o equivalente a 18%, enquanto a produção de cimento nesse mesmo período aumentou 277%. Graças fundamentalmente à revisão da norma de cimento, antecipamos para 2019/2020 a meta de 2025, ou seja, a redução para 540 kg CO2/t cimento.
AECweb – Quais dados apoiam o fato de a indústria cimenteira nacional ser considerada referência internacional na emissão de CO2?
Paulo Camillo – Globalmente, as emissões de CO2 da indústria do cimento representam cerca de 7% das emissões totais produzidas pelo homem. No Brasil, em função de ações que vêm sendo implementadas há anos, esta participação é praticamente um terço da média mundial, ou 2,6%, segundo o Inventário Nacional de Gases de Efeito Estufa.
AECweb – O cimento nacional tem passado por processo de evolução de produção e de qualidade?
Paulo Camillo – Investimento em combustíveis alternativos, equipamentos mais eficientes, melhoria de processos e atualização da norma são as principais ações realizadas pela indústria do cimento. Em julho de 2018, finalizamos a modernização da norma de cimento brasileiro tendo como referência a norma europeia, com ampliação significativa de filler calcário, o que propiciou, entre outras vantagens, a redução de emissão de CO2 do nosso produto. Além disso, a partir do mapeamento brasileiro de fontes alternativas de energia, foi possível incorporar novos insumos energéticos que irão favorecer não só a redução de emissões, mas também a geração de renda de populações que se ocupam da exploração destes produtos, bem como eliminação de passivos ambientais decorrentes desse uso. É o caso de caroço de açaí, casca de babaçu entre outros. Importante observar que a indústria do cimento tem avançado no processo de industrialização do chamado CDRU (Combustível Derivado de Resíduo Urbano), que tem por base o lixo doméstico. Esse movimento contribui significativamente para a erradicação dos lixões, ampliação da vida útil dos aterros sanitários existentes e redução das emissões, não só advindas do processo produtivo do cimento, mas também daquelas que têm origem nesses locais como o metano, gás infinitamente mais tóxico que o CO2. Com um ambiente macroeconômico mais auspicioso, a expectativa do SNIC para 2020 é de um crescimento no consumo acima de 3%. A retomada do mercado imobiliário vem sendo o grande influenciador da melhora no consumo de cimento.
AECweb – Quais os benefícios que a evolução da qualidade do cimento trouxe para o concreto?
Paulo Camillo – O processo de qualificação do principal insumo para o concreto propiciará um produto ambientalmente de melhor qualidade e a redução dos riscos advindos no momento em que o mundo busca uma economia de baixo carbono, atenuando os impactos ambientais. Fatores como esses ampliam a competitividade do produto num ambiente de grande disputa de mercado com concorrentes como aço, madeira e outras soluções nas edificações.
AECweb – Em 2019, o setor apresentou crescimento?
Paulo Camillo – Em 2019, o setor de cimento vem apresentando crescimento de 3,4% no acumulado do consumo até novembro. O melhor desempenho do ano de 2019 está fortemente ligado à recuperação do setor imobiliário. O número de novos lançamentos residenciais acumula aumento de 17% até setembro, comparado ao mesmo período de 2018. A quantidade de imóveis novos financiados pelo SBPE (Sistema Brasileiros de Poupança e Empréstimo) também apresentou um bom resultado, com crescimento de 45% na comparação janeiro a setembro de 2019 com janeiro a setembro de 2018. A melhora do ambiente macroeconômico possibilitou essa retomada. A inflação baixa e controlada, aliada às novas linhas de financiamento com juros mais atrativos e uma nova modalidade, com indexador de inflação (INPC) mais juros aqueceram o mercado imobiliário.
AECweb – Como foi o desempenho de produção e vendas na última década?
Paulo Camillo – A partir de 2004, diversos fatores colocaram a indústria do cimento de volta no rumo do crescimento. Além do ambiente macroeconômico favorável, o aumento da renda real e da massa salarial real e a redução dos juros e da inflação, a expansão do crédito imobiliário por parte do governo e por bancos privados e o objetivo governamental de crescimento dos investimentos em obras de infraestrutura foram fundamentais para a alavancagem da construção civil e, consequentemente, do consumo de cimento. Concorreu de forma decisiva para esta recuperação o chamado marco regulatório imobiliário, através da Lei n°10.931/2004 e da Resolução n° 3.177 do Banco Central. Tais medidas trouxeram um melhor ordenamento jurídico no setor da construção imobiliária e possibilitaram a capitalização das construtoras e incorporadoras no mercado acionário, bem como o retorno dos bancos privados ao financiamento imobiliário. Programas do governo, como o Minha Casa Minha Vida e o PAC, também impulsionaram o setor da construção civil, tanto na parte habitacional quanto na de infraestrutura. Entre 2004 e 2014, o consumo de cimento mais que dobrou, saindo de 35 milhões de toneladas para mais de 70 milhões, um movimento sustentável e presente em todas as regiões do país. Este movimento tornou o Brasil o 4° maior consumidor de cimento no mundo, atrás apenas da China, Índia e EUA.
AECweb – Em seguida, veio a crise econômica.
Paulo Camillo – Sim, o país passou pela pior crise da economia da sua história. Depois de um baixo crescimento econômico em 2014, de apenas 0,5%, a economia brasileira entrou em uma recessão sem precedentes. Em 2015, o PIB encolheu 3,8%, e em 2016, a queda foi de 3,5%, acumulando recuo de 7,1% no biênio 2015/16. Em 2017 houve uma pequena recuperação, quando o PIB subiu 1%. A crise atingiu mais fortemente o mercado imobiliário e o setor de infraestrutura, este último ainda agravado pela Operação Lava Jato. A restrição dos gastos públicos em construção, o aumento da taxa de juros e da inflação e a queda da massa salarial levou a cadeia da construção para uma recessão profunda, que inviabiliza a tomada de empréstimos para o financiamento de investimentos.
AECweb – Quais os números do impacto da recessão sobre o setor do cimento?
Paulo Camillo – A atividade da construção civil foi 16% menor no acumulado dos anos 2015 a 2017. Na indústria do cimento não poderia ser diferente, com retração de 26,5% no consumo do insumo nesse mesmo período, atingindo 52,9 milhões de toneladas, no final de 2018, o que representa retorno do nível de consumo de 2009. Esse panorama se torna dramático quando se verifica que a capacidade ociosa atingiu inédito nível de 47%. Com a ociosidade alta, há elevação dos custos fixos unitários, restringindo a capacidade de investimentos ou até mesmo fazendo com que algumas empresas optem por fechar suas fábricas, retirando fatores produtivos do mercado. Mais grave ainda, a profundidade da recessão pode comprometer a viabilidade econômica de algumas empresas, fazendo com que saiam definitivamente do mercado.
AECweb – Quais as perspectivas para 2020?
Paulo Camillo – Com um ambiente macroeconômico mais auspicioso, a expectativa do SNIC para 2020 é de um crescimento no consumo acima de 3%. A retomada do mercado imobiliário vem sendo o grande influenciador da melhora no consumo de cimento. Para um crescimento mais robusto e sustentável, é preciso a reversão da contínua queda do investimento em infraestrutura, cuja participação na venda de cimento já correspondeu a 25% e, hoje, representa menos de 10%.
Sobre Paulo Camillo Penna
Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC-MG, é presidente-executivo do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC) e da Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP). Possui vivência de mais de 30 anos em altos cargos executivos no setor público, empresas e entidades nacionais representativas de diversos segmentos, tais como, presidente da Fundação TV Minas – Cultural e Educativa de Minas Gerais; diretor da Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS), diretor Executivo da Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alta Reciclabilidade (Abralatas); diretor e, posteriormente, vice-presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Extração do Ferro e Metais Básicos (Sinferbase); presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) e vice-presidente do Grupo AES Brasil. Integrante de conselhos e fóruns empresariais no país e no exterior como membro titular do Conselho de Infraestrutura (Coinfra) e do Conselho de Assuntos Legislativos (COAL) da Confederação Nacional da Indústria (CNI); membro convidado do World Economic Forum (WEF); membro titular do Departamento da Indústria da Construção da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Deconcic), entre outros. Eleito diretor da FIESP para o triênio 2018 – 2020. Tem ativa participação na mídia nacional e internacional.